Ali pelas 7, começamos a acordar, conversando na sala (onde todos dormiam).
Papo vai, papo vem, inicia uma conversa sobre vocações.
Tonho fez um pacto com Lila: quando ela for irmã, ele será padre. A Kary (namo do Tonho) provavelmente não vai gostar disso...
Mas o Antonio duvida tanto que disse que, quando Liége for irmã, ele ainda subirá num pé de açaí de ré.
Comentávamos que as irmãs são, de modo geral, preguiçosas para levantar. Exemplo é a irmã Adenice, que está conosco, e é a última a levantar.
Dali a pouco, a Arleth volta lá de fora e anuncia: "olha, vocês estão perdendo a melhor cena da Amazônia". Todo mundo levanta pra ver crianças remando suas canoas. Quem foi que não levantou? Adé, Lila e Tonho: as irmãs e o padre!! huahahah
ARLETH, NOSSA "ANJA" DE BELÉM
Como hoje é Aniver de 24 anos da Arleth, cantamos os parabéns e demos um abraço coletivo nela. Ela merece isso e muito mais. Essa moça de feição indígena, lutadora, que trabalha nas pastorais sociais, toca violão muito bem, sempre bem-humorada, fazendo suas piadinhas irônicas, que tão bem nos acolheu em Belém, na simplicidade da casa que vive. Que está fazendo de tudo para que tenhamos (e estamos tendo) uma ótima estadia por aqui.
Garotita, você merece toda nossa gratidão!
PASSEIO PELA MATA
Após um café-da-manhã, com bolachas e café, um barco de outro vizinho nos levou para um ponto aqui próximo, onde caminhamos mata adentro. Por aqui, a floresta já não é tão virgem, pois os ribeirinhos derrubaram muita coisa para fazer suas pequenas plantações de mandioca e pimenta (esta é pra vender). Nada devastador. Mas também não dá pra dizer que estávamos no meio de uma selva gigantesca como às vezes imaginamos...
Da margem até um pouco adentro, o caminho é feito de um elevado de tábuas, construído coletivamente pela comunidade. Depois é trilha mesmo.
No caminho, encontramos 2 campinhos de futebol de areia (já que o solo daqui é arenoso).
Por falar em areia, caminhando na trilha de areia, a Fran soltou uma pérola: "quem trouxe toda essa areia aqui". A resposta foi óbvia: "a areia já estava aqui". Huahahah.
Mais tarde, quando encontramos um olho d'água (onde o povo vai pegar água pra beber), encontramos um conhecido da Arleth que trazia castanhas-do-pará, e de uma pra gente.
Ela pegou emprestado o facãozão dele e abriu as castanhas pra gente. Quando chegou a vez da Iva ganhar, a castanha tava seca. Kkk. Quando chegou a fez da Fran... Terminou. As duas ostras (que mais largam pérolas), ficaram prejudicadas. Tsc tsc... Huahaha.
Caminhando novamente pela floresta, o Tonho largou outra: "que lugar ótimo para namorar e caçar tatu..." hahahaha. Não era do tatu animal que ele falava...
Retornando ao rio, enquanto o barco não vinha nos buscar, aproveitamos para... um banho de rio! É muito bom!!
ALMOÇO
Nosso almoço hoje foi bem simples, mas muito bom. Arroz, carne de gado e... açaí. Exceto a Lila, estamos gostando desse troço. O ruim é se acostumar e depois não ter mais pra comprar.
TARDE TRANQUILA
Após o almoço, era pra cada um lavar sua louça. Mas uns espertinhos zarparam, e a Iva viu-se sozinha lavando algumas coisas. Detalhe: a água encanada não está funcionando, porque estragou a bomba. Então pega-se água no rio, com balde, e lava-se a louça com tigelinha.
Ontem ajudei a Iva jogando aos poucos água com a tigelinha. Hoje ela, sozinha, falou brincando, mas sério: "desse jeito a gente não vai construir a Civilização do Amor". Depois ajudei um pouco ela. =D
Alguns foram dormir nas redes. Outros, que estavam molhados por ter entrado no rio (como a Fran e eu) tentamos dormir no chão, mas não ficou muito confortável. Então uns foram tocar violão (Lila e eu) e outros tomar banho (Iva e Fran). Detalhe: tem 2 opções de banho: de balde ou no rio. Escolheram a segunda, é óbvio, pois é mais legal. Desceram a escadinha na frente da casa e, só com a cabeça de fora, ensaboaram as partes.
A Fran estava desejosas de continuar o banho de rio, então a Lila e eu juntamo-nos a ela e fomos pra água! A maior emoção é correr a rampa na frente da casa e pular uns 3 metros abaixo, direto pro rio. Show de bola!!
Mais tarde, os dorminhocos acordaram e vieram banhar-se conosco.
PASSEIO PELO TOCANTINS
À tardinha, o mesmo barco da manhã voltou para nos levar a um passeio pelo rio Tocantins. Primeiro, fomos até o mercadinho aqui próximo (à beira do rio, é óbvio), pegar 5 latinhas de cerveja pra molhar a garganta. Então seguimos a viagem.
Já estávamos no rio Tocantins. Mas, como aqui tem várias ilhas, o ponto em que estávamos parecia ser um braço dele.
Quando entramos no rio em si... quanta beleza!! Uma imensidão de água, circundada de floresta por todos os lados. E o Sol, já indo pros "finalmente" do dia, coroava a beleza da paisagem. Inefável!
Não falávamos muito, apenas admirávamos tudo isso, sentindo a brisa de ar puro na face, sentindo-nos os mais sortudos do mundo por poder presenciar tudo isso.
Em meio a toda essa alegria, alguns pensamentos não tão bons são inevitáveis: toda essa beleza está ameaçada. Quem sabe nossos filhos e netos não poderão tudo isso. E tudo para aumentar o lucro das grandes corporações internacionais do agronegócio (soja, minérios, energia hidroelétrica), e grandes empresários (gado, madeira). Será que o conforto da sociedade moderna vale a destruição de toda essa maravilha da criação? Temos o direito de destruir tanta vida?
Nesse sentido, outra constatação: uma vida mais simples é fácil. Estamos conseguindo viver alguns dias com quase nenhum conforto. Passaremos quase 2 dias aqui, sem água encanada, sem chuveiro, sem internet, sem telefone. Então porque não passar a vida toda sem tanto conforto? Obviamente não estou dizendo que devemos ir pro meio da floresta. Mas defendo que não precisamos de um carro cada um, eletrodomésticos novos a cada pouco, comer exageradamente. Uma vida simples não é somente útil para nossa felicidade quanto essencial para a sobrevivência do planeta.
LUAU SEM LUA E ADMIRAÇÃO DAS ESTRELAS
Enquanto eu escrevia o relato acima, sentado na rampa sobre o rio Tocantins, no escuro, os demais tocavam violão ao lado, fazendo um "luau sem lua", no escuro (há umas 3 horas acabou a luz, e ainda não voltou).
Findando a bateria do notebook, guardei ele e me juntei ao povo. Logo findou também o som dos violões e, enquanto a Arleth e a Ir. Adenice faziam a janta, nós (5 kombatentes e Fran) ficamos deitados na rampa, observando as estrelas, curtindo o som da floresta, conversando sobre o dia e sobre esse mês fantástico que estamos vivendo.
A Lila disse o que provavelmente todos sentimos: o ano ainda está no início, e por isso é cedo pra dizer que é o melhor de nossas vidas. Mas com certeza é o melhor mês de nossas vidas. Quanta coisa acontecendo junto, quantas experiências novas...
Partilhamos sobre o modo de vida simples do povo daqui, sobre a necessidade de buscarmos também uma mudança em nossos padrões de conforto, de lutar por um mundo melhor. Discutimos que não acreditamos que uma sociedade diferente, socialista, possa vir de uma revolução armada, de cima para baixo, mas sim de baixo, conjugado com um novo jeito de se relacionar. Partilhamos a idéia de iniciarmos uma "comunidade socialista" em que, a exemplo de alguns assentamentos do MST (com o "Conquista da Fronteira", em Dionísio Cerqueira) o trabalho e a renda sejam divididos igualmente entre todos. Quem sabe isso pode servir de exemplo para outras comunidades e, aos poucos, vamos construindo uma nova sociedade.
Não consigo lembrar tudo que conversamos, e nem de longe consigo descrever aqui a maravilhosa experiência que passamos olhando as estrelas e partilhando nossos sonhos naquela noite à beira do rio Tocantins. Mas posso afirmar que isso fortalece a certeza de que tudo está valendo a pena, e que os sonhos estão se "Kombinando" e que, juntos, estamos conseguindo somar e multiplicar nossos sonhos. O desafio será não deixá-los soltos, ao vento. Não ficarão!
JANTAR DE ANIVERSÁRIO DA ARLETH
Em comemoração ao seu aniversário, a Arleth assou um pouco de carne de jacaré, pra gente experimentar. Ela é realmente show-de-bola! Faz de tudo pra agradar a gente.
A carne de jacaré é bem diferente das que estamos acostumadas a comer. Bem forte.
Comemos com arroz e carne de franco. E, para completar a refeição... Açaí, é claro! Já estou gostando, desde que tenha bastante açúcar. Em homenagem à Arleth, até a Lila comeu!
LUZ PARA TODOS
Pedi para o seu Dário há quanto tempo eles têm energia elétrica ali. Ele diz que há 3 anos, com o programa "Luz para Todos", do Governo Federal. Antes, tinham um gerador a diesel, que era ligado só durante uma parte da noite, e gastava em torno de 2 litros de diesel por noite, gerando um custo de uns R$ 150/mês. Hoje gastam apenas uns R$ 30.
E hoje a luz tinha faltado. Então, voltamos temporariamente ao tempo do liquinho, o que tem o seu lado bom, porque todos sentamos no chão, em roda do liquinho, para jantar e escutar as histórias que o seu Dário e a Arleth contavam. Histórias essas que foram aprendidas principalmente antes de ter TV por aqui quando, à noite, as famílias se reuniam ao redor do lampião.
Passando para a sala, nos ajeitamos nas redes e colchões e dormimos escutando mais algumas histórias.
Que vida boa... ôu ôu ôu que vida boa...
gostei das histórias. há tempos eu não passava por aqui!
ResponderExcluirbeijossss
SIMPLESMENTE, INEFÁVEL! A melhor experiência de nossas vidas! Vida simples, pessoas amadas e queridas, natureza, Deus... enfim, eternamente na lembrança e na saudade :)
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