terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

29º dia [30/01/09] 3º dia no FSM: Boaventura, protesto, filha do Che...

Não foi tão fácil dormir bem hoje. De modo geral, acordamos algumas vezes na madrugada, pois tinha um povo ali do lado que ficou a noite inteira acordado, tocando violão e fumando maconha. Por falar na maconha, já estamos nos acostumando com o cheiro, de tanto que tem aqui. De manhã, enquanto tomávamos nosso Toddy (ou melhor, água com Toddy e leite em pó), lembramos do Clemildo: quando dormimos na casa dele, em Brasília, ele disse que uma vez foram pro Fórum Social Mundial em Porto Alegre e, à noite, no acampamento da juventude, um monte de gente fumando maconha e o povo da PJ, dentro da barraca, tomando leite. Huahaha. Ainda bem que, nesse ponto, somos diferentes da juventude que lá estava.

BOAVENTURA DE SOUZA SANTOS

Na primeira atividade da manhã, nos dividimos. A maioria foi pra palestra com um tal de Boaventura de Souza Santos (um escritor português que é bem famoso, mas eu não conhecia. A Lila e o Tonho conheciam). A Iva e eu fomos noutro mas, lá chegando, descobrimos que seria numa língua estrangeira, e a Iva tava sem identidade. Daí eles não davam o aparelhozinho de recepção da tradução. Daí fomos juntos com os outros.
Lá com o Boaventura era um painel com o tema: “Diversidade e mudanças civilizatórias: a utopia do século XXI”. Tinha outros 3 caras que falaram. Um do Peru, outro da Venezuela e uma mulher de não lembro qual país. Mas a melhor fala foi mesmo a do Boaventura. Alguns recortes da fala dele:
- a solução para a crise, para eles (capitalistas), obivamente, é mais capitalismo;
- o capitalismo não sabe ver a longo prazo;
- a teoria não deve vir à frente nesse momento, mas vir atrás, porque a prática é mais transformadora que a teoria;
- aprendemos o conceito de comunidade: ninguém pode ganhar se o outro não ganhar;
- a crise trouxe de volta o papel do estado na economia. Por 30 anos, o estado era visto como problema;
- temos que aproveitar esse momento de desestruturação do neoliberalismo para propor alternativas;
- uma janela se abriu. Mas pode se fechar se ficarmos com a cabeça no século XX e nos confortos que ele trouxe;
- temos que evoluir da visão de estado para a visão de “autoridade coletiva”;
- há muitas formas de organização, fora dos partidos e sindicatos. O desafio é formar redes.

POVOS INDÍGENAS

À tarde, participamos da mesa “Territorialidade dos povos indígenas”. Lá falou-se sobre os 4 tipos de latifúndio que imperam hoje no Brasil: latifúndio da terra, do capital, das comunicações e do saber (este centrado nas universidades).
Alguns índios fizeram falas e também um povo do CIMI (Conselho Indigenista Missionário, ligado à Igreja). Destaque para o presidente do CIMI, D. Erwin, que corre risco de vida, devido à perseguição de latifundiários, por causa da luta a favor da demarcação de terras indígenas. Tem que andar constantemente com 2 policiais pra sua defesa.
Uma frase de um líder maia que trouxeram presente: “Nós não queremos viver melhor. Queremos viver bem”.

PROTESTO CONTRA USINA DE BELO MONTE

Meio que repentinamente, um povo da PJ nos chamou, dizendo que a Eletronorte estaria realizando, às 18h30, uma oficina defendendo a construção da usina de Belo Monte e estavam indo fazer um protesto lá. Atendemos o convite e fomos junto.
Esta usina está projetada para ser construída no Rio Xingu, o que atingirá várias comunidades ribeirinhas, aldeias indígenas e causará um grande impacto ambiental (imagine, é na Amazônia...). E o pior que não é pra servir as necessidades de quem está carente, mas para servir ao conforto desnecessários das pessoas e para grandes empresas.
Ficamos na frente da sala onde ia acontecer o evento da Eletronorte. Estávamos em poucos, não chegava a 20, entre índios, mulheres e pejoteiros. De repente, as mulheres, corajosas, começaram, falando que estávamos contra a barragem, explicando porque, e iniciaram o grito “A E I O U / Não queremos barragem no Xingu”. Não é muito criativo, mas com efeito. Ajudamos a engrossar o grito. Aos poucos, mais gente foi chegando ajudar, e chamou a atenção de vários repórteres, que começaram a filmar e fotografar. Os índios fizeram umas danças simples, e umas falas. Cara, foi muito marcante. Um deles, ao fim da fala, disse “nós, índios, estamos preparados para dar nosso sangue pelo Xingu”. Foi arrepiante.
Depois, puxamos uns gritos que aprendemos em SC, com o povo do MAB: “Água e energia, não são mercadoria” e “Águas para a vida, não para a morte”. D. Erwin também veio e fez uma fala (nessa hora o espaço já estava cheio).
Não ficamos para a oficina. O objetivo era chamar atenção para essa questão e conseguiu-se.
Peguei um folder deles, que mostrava o aumento da demanda energética no Brasil até 2017, bem como o crescimento populacional, justificando assim a necessidade de mais barragens. Num cálculo simples no celular, concluí que o consumo per capita crescerá, em 10 anos, de 2,15 para 2,96, ou seja, 37%. E não é suficiente fazer campanhas do tipo “desligue a luz quando sair do quarto”, pois os maiores consumidores de energia são as indústrias, especialmente as pesadas (metal, alumínio...). Pra suprir o carro novo, a TV no quarto, as exportações... Tem que mudar o foco: diminuir o consumo, pois a natureza não agüenta. Maldito capitalismo...

RODA DE CARIMBÓ

Na saída, como estava chovendo, o povo ficou se protegendo perto da porta. Tinha um padre com um pequeno bumbo e, num instante, surgiu uma roda de carimbó (ritmo típico de lá). É muito legal a facilidade que eles se juntam e a alegria começa.
Por lá, conversei com um rapaz sueco que está há 3 meses no Brasil, atuando numa ONG. Bem bacana essa troca de experiências. Fiquei sabendo que lá há pouca presença das religiões, e que Che é bem querido pela juventude.

BRASIL DE FATO, 6 ANOS

À noite, fomos até o Acampamento da Via Campesina, pra comemoração dos 6 anos do jornal Brasil de Fato. É um jornal sensacional, semanal, referência na mídia alternativa no Brasil. Traz uma visão crítica, de esquerda, que contrapõe às fontes de mídia normais. Mais detalhes no site:
www.brasildefato.com.br.
Entre os presentes que falaram na solenidade, alguns representantes de mídias alternativas internacionais, João Pedro Stédile (do MST) e Leila Guevara (filha do Che). Foi bacana. A filha do Che não é ele, a fala é mais amena, mas foi bom também.

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